Na noite de 10 de novembro de 1938, um acontecimento deu cara ao antissemitismo que marcaria todo o período em que a Alemanha esteve sob o regime nazista. Em uma ação pensada pelo chefe de propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, mais de 250 sinagogas foram incendiadas, cerca de 7 mil estabelecimentos de famílias judias foram destruídos e estima-se que pelo menos 91 judeus foram mortos, além de centenas de outros que foram presos. O episódio ficou conhecido como a Noite dos Cristais, em referências às vidraças e janelas estilhaçadas.
Corta para o Brasil em 2020. No dia 27 de maio, a Polícia Federal cumpre mandados de busca e apreensão na casa de 29 pessoas possivelmente envolvidas na produção e disseminação de fake news relacionadas à política. A operação acontece no âmbito de um inquérito do Supremo Tribunal Federal, que está entre os alvos das calúnias e ameaças dos falsos perfis na internet. Os investigados são, em sua maioria, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Está se perguntando qual a relação entre esses dois episódios? Isso mesmo, nenhuma. Mas de acordo com o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, os acontecimentos do dia 27 deveriam ser lembrados como a “Noite dos Cristais brasileira”. Entenda melhor o que foi a Noite dos Cristais e por que a comparação de Weintraub é descabida e “minimiza os terríveis acontecimentos da ocasião que deu início à marcha nazista”, nas palavras da própria Confederação Israelita do Brasil.
Antecedentes, estopim e o Plano de Goebbels
Para começar a falar da Noite dos Cristais, é preciso resgatar alguns fatos importantes que a antecederam e que explicam o episódio considerado o estopim para os acontecimentos daquela noite. Embora esse 10 de novembro seja lembrado como o início das investidas antissemitas mais violentas na Alemanha nazista (especialmente por ter contado com a participação direta de civis), a perseguição institucional aos judeus teve início muito antes disso.
Logo quando assumiu o controle do país em 1933, Hitler tratou de criar uma série de leis e políticas antijudaicas, que dificultavam o acesso dessa população a serviços de saúde e educação, anulava sua cidadania alemã, a proibia de exercer cargos públicos e até de casar-se com outros alemães que não fossem também judeus. A crescente retirada de direitos levou muitos a abandonarem o país nos anos seguintes. De 6 a 15 de julho de 1938, a Conferência de Évian foi realizada na França com o objetivo de discutir a situação dos refugiados judeus: até a data, cerca 250 mil já tinham deixado a Alemanha e a Áustria.
A marcha para fora do país, que até então era por “vontade própria”, mudou de figura em agosto de 1938. As autoridades alemãs decidiram que estrangeiros, entre eles os judeus nascidos na Alemanha mas de outras origens, deveriam deixar o país. Largando para trás suas casas, negócios e a maior parte dos pertences, cerca de 12 mil judeus poloneses foram levados, em outubro daquele ano, até a fronteira com a Polônia – onde também eram impedidos de entrar. Vagavam por dias a fio entre os dois países, sem comida e abrigo. A situação miserável fez o casal Sendel e Riva Grynszpan enviar um postal ao filho Herschel, que morava em Paris, pedindo ajuda financeira.
Em 7 de novembro, Herschel Grynszpan matou o diplomata Ernst vom Rath, da embaixada alemã em Paris, como forma de protesto à deportação dos judeus alemães. E essa era a fagulha que setores do governo alemão esperava para realizar o seu pogrom.
Pogrom é uma palavra de origem russa que passou a ser empregada, durante o século 20, em todos os gestos de perseguição violenta a judeus, como as empreendidas pelos czares russos (também antissemitas) na década de 1880. Depois de anunciada a morte de Ernst vom Rath em 9 de novembro, Goebbels, o chefe de propaganda do governo, agiu contra alguns setores do governo que classificavam seu plano como megalomaníaco e perigoso para a diplomacia. Mandou orientações para a Polícia de Segurança e para as “Tropas de Assalto” (SA), uma espécie de milícia nazista, para que realizassem naquela noite as depredações e mais diversas violências contra os judeus, que marcaram de uma vez por todas a escalada de violência nazista.
“Esse episódio jamais poderá ser comparado com qualquer realidade política no mundo”
A declaração é do cônsul geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi, que junto a outras entidades manifestou hoje seu repúdio à declaração do Ministro da Educação. Ele relembra que o Holocausto, uma tragédia que matou mais de 6 milhões de judeus, é sem precedentes.
Além dele, a Confederação Israelita do Brasil e o Museu do Holocausto de Curitiba também destacaram que as operações realizadas pela Polícia Federal ontem acontecem no âmbito de uma democracia, algo que, embora pareça quase óbvio destacar, não era o caso da Alemanha nazista.
Para além de lançar uma nota de repúdio, o Museu do Holocausto optou por disponibilizar também à população um material educativo que explica os acontecimentos e a importância histórica da Noite dos Cristais no contexto do Holocausto, uma vez que, segundo a instituição, existe hoje uma “impossibilidade de dialogar com figuras e entidades que diariamente se recusam a compreender a essência do nazismo, e insistem em utilizá-lo como recurso retórico para atacar seu espectro político ‘rival’”. O museu encerra sua nota com uma frase do educador Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”
Leia aqui carta do Museu do Holocausto na íntegra e baixe o material sobre a Noite dos Cristais.
O que foi a Noite dos Cristais na Alemanha nazista? publicado primeiro em https://guiadoestudante.abril.com.br
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