Em um mundo com recursos cada vez mais escassos, não há como pensar em futuro sem levar em consideração a preservação ambiental de forma colaborativa. Resultado disso é o processo de mudança de consciência da sociedade, que tem esperado e cobrado das empresas posicionamentos alinhados a causas. Neste panorama, as marcas precisam repensar suas cadeias produtivas e as matérias-primas dos produtos a médio e longo prazo. Os caminhos e ações possíveis para essa questão foram o foco do segundo evento do Causando Encontros, realizado nesta quarta-feira, 15, pela Catraca Livre e o Festival Path.
O debate sobre preservação ambiental contou com a participação de Denis Minev, diretor e presidente da Bemol, Estela Renner, cofundadora da Maria Farinha Filmes e diretora da série Aruanas (Rede Globo), e Pedro Wickbold, diretor-geral da Wickbold. A mediação foi feita pela jornalista Alessandra Petraglia, da Catraca Livre. Para os três entrevistados, a transformação das práticas atuais relacionadas ao meio ambiente gera impactos sociais, econômicos e políticos significativos para a vida de comunidades locais e também para a sociedade como um todo, incluindo as marcas.
A partir de sua experiência na Amazônia, com as ONGs Fundação Amazonas Sustentável e o Museu da Amazônia, Denis ressalta que a presença de empresas nessa região é um ponto importantíssimo para a preservação, pois a economia local é totalmente informal. “Pelo aspecto econômico e social, a Amazônia é um local muito pobre, em geral com a ausência de empresas. Ao mesmo tempo, há muitos casos de cidades onde não há emprego formal”, afirma. Em uma economia informal, todas as atividades acabam levando ao desmatamento, uma vez que nada é formalizado. “Só com uma economia próspera e empregos formais que você vai desconstruir a economia disfuncional que provoca prejuízos à natureza”, explica.
Já Pedro imagina que a vida pós-isolamento social será diferente no que diz respeito à relação entre a questão ambiental e as empresas. De acordo com ele, os modelos de negócios terão de se readaptar mais rapidamente porque há dois pontos emergindo: primeiro, um consumidor que entende seu ato de compra como algo político, principalmente as novas gerações, e, segundo, sobre quem está entrando no mercado de trabalho e exigindo posicionamento das marcas frente a esses temas. “Para vender e para reter, as empresas vão precisar se transformar. Recentemente, brinquei com um amigo que, no futuro, as ações vão ser negociadas em bolsas de impacto, e não só de valores”, diz.
Estela provoca que essa mudança de atitude precisa de um “querer”. “A gente tem uma relação com a natureza de destruição, e não envolvimento. É necessário querer um futuro para seus filhos e netos”, discute. No caso da Maria Farinha Filmes, a qual ela é uma das fundadoras, a empresa nasceu com um propósito alinhado a causas e, em seus anos de existência e desenvolvimento, conheceu o Sistema B. Tal movimento tem como propósito construir um ecossistema favorável com o objetivo de fortalecer empresas que usam a força do mercado para solucionar problemas sociais e ambientais, como diversidade de gênero, saúde e outras questões. “A partir disso, reavaliamos práticas antigas e promovemos novas práticas na Maria Farinha. Conseguimos essa certificação, assim como grandes empresas, como a Natura.”
Impactos ambientais, sociais e econômicos
Lucro, propósito e impacto socioambiental podem caminhar lado a lado. Segundo Renner, a elevação da consciência tem de estar atrelada a colocar projetos em prática, indo contra a lógica do capitalismo, em que a derrota do outro representa o seu sucesso. “Se você pegar três ou quatro empresas concorrentes, mas ligadas por uma mesma causa, pode haver transformação. É preciso parar de fingir que não está acontecendo. A gente está destruindo o nosso bem-estar nesse mundo, e não ele que está se destruindo”, pontua.
Seguindo essa lógica, as empresas vão precisar levar em conta seus respectivos impactos, pois esta é quase uma premissa do século XXI. No caso da Amazônia, isso não é diferente, como relata Minev. O diretor e presidente da Bemol acredita que é preciso ter conhecimento do local em que você busca atuar, senão acabará cometendo erros. “Nós temos tido muitas tentativas de bons investimentos, mas que não têm prosperado. Ainda hoje, em 2020, a Amazônia é um lugar de muita ilegalidade”, analisa. De acordo com ele, no caso do investimento de impacto, é essencial entender o que pensam os 25 milhões de brasileiros que vivem naquela região.
Pedro mostra que o nível de consciência e o engajamento de novas lideranças são fundamentais para conduzir esse processo. Ele traz para a discussão o que de mais valioso aprendeu ao longo da experiência na Amazônia, que já soma cinco anos: a colaboração entre empresas, organizações e comunidades locais. A Wickbold está dentro da parceria do programa Origens Brasil, idealizado pelo Imaflora e o Instituto Socioambiental para incentivar o desenvolvimento sustentável dos povos da floresta. “As ONGs não teriam tanto impacto sem a empresa na ponta e a empresa precisa da atuação das instituições para conhecer a realidade dos locais. A verdadeira transformação é colaborativa. Dessa forma, estimulamos o desenvolvimento de novos empreendedores, que têm uma potência enorme”, invoca.
O Origens Brasil conecta os povos tradicionais ao produtor de empresas e do mercado consumidor, promovendo relações comerciais com menos intermediários, mais transparentes e éticas. Por exemplo, a castanha-do-Pará é a matéria-prima mais coletada pelos produtores dos três territórios em que o projeto atua: Xingu, Rio Negro e Calha Norte. Esse produto é comprado pela Wickbold para fazer o “Grão Sabor Castanha-do-Pará e Quinoa”, que se tornou o pão de categoria especial mais vendido do país. “O lucro da compra das castanhas passou a ficar diretamente nas mãos dos extrativistas, que são os ribeirinhos, quilombolas e indígenas. Nos últimos dois anos, deixamos mais de 2 milhões de reais nas mãos de famílias nessas regiões”, acrescenta o diretor-geral da marca.
Mudança de cultura e pensamento nas empresas
Atuar pela preservação ambiental não pode ser algo pontual, mas sim, deve ser baseado em uma mudança de pensamento dentro das marcas, atrelada a um maior investimento tanto financeiro, como de tempo e pesquisa. Nenhuma atividade vai ocorrer sem a floresta em pé. Como empresa, Denis tem a visão de que o que chamamos de sustentabilidade hoje é apenas o capitalismo se reinventando, o “bom capitalismo”. Ele cita, por exemplo, a preferência por lâmpadas LED, que foi só uma questão de tempo para tornar-se viável no sentido econômico.
Do ponto de vista regional, ele insiste que a sustentabilidade na Amazônia é um problema de meio ambiente, econômico, social e político. “Se você não redesenhar esses aspectos, não conseguirá fazer nada no sentido ambiental. Não existe apenas o desmatamento, também há a pobreza social escondida na floresta”, relata. “O que precisamos fazer é uma economia próspera: com conhecimento e produtividade. E isso ainda vai demorar um pouco.”
À frente de uma empresa que tem 82 anos de história, Pedro evidencia que a mudança de cultura ambiental e social não é um processo fácil e simples, mas, quando a equipe se engaja de fato, vira um caminho sem volta. “É um processo evolutivo: não adianta querer mudar tudo do dia para a noite. Ele precisa ser construído e engajado com paciência para que as coisas sejam feitas da melhor forma possível”, reitera.
Engajada em causas socioambientais, Estela é uma das responsáveis por levar o debate sobre meio ambiente para a casa de milhões de brasileiros por meio de “Aruanas”. Por mais que seja uma série de ficção, a produção toca em pontos sensíveis da luta de ativistas no país.
Segundo a diretora, houve uma escuta enorme com ambientalistas e ONGs para pensar, de forma estratégica, em como usar a ficção para falar sobre questões sérias, como mineração ilegal, desmatamento, exploração sexual infantil e corrupção. “O Brasil ainda está no topo de países que mais matam ativistas no mundo, e grande parte deles é da área do meio ambiente. O impacto [de Aruanas] é intangível. Nós encomendamos uma pesquisa, que analisou os tuítes mencionando a série, e vimos que a grande maioria do público foi sensibilizada pelo assunto”, finaliza.
Causando Encontros
O debate sobre preservação ambiental foi o segundo do projeto Causando Encontros, promovido pela Catraca Livre e o Festival Path para conectar líderes de empresas a protagonistas de lutas por diferentes causas da sociedade. No primeiro evento, a conversa teve como foco o racismo estrutural. Nas próximas semanas, especialistas vão discutir o panorama atual de outros três temas. São eles: geração de renda, combate à violência doméstica e saúde mental.
Os eventos são voltados para profissionais e estudantes das áreas de comunicação, marketing, sustentabilidade, responsabilidade social corporativa e recursos humanos. Saiba mais na página especial do projeto e se inscreva na 3ª edição do Causando Encontros, na qual vamos falar sobre geração de renda. Confira abaixo como foi o encontro da última semana:
Veja também: Racismo estrutural: ‘as empresas precisam ir além das cestas básicas’
Preservação ambiental: ‘a verdadeira transformação é colaborativa’ publicado primeiro em https://catracalivre.com.br
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