Depois que a psicóloga Ana Carolina Oliveira e seus amigos colocaram os capacetes oferecidos por uma agência de turismo boliviana, era hora de enfrentar a mundialmente famosa estrada da morte boliviana, a partir de La Paz.
Os seus dois acompanhantes não demoraram a pedalar as bicicletas rota abaixo, enquanto ela empacou na primeira curva. “Você vai descendo e dividindo um espaço minúsculo com caminhões que beiram o precipício. Um erro ali e você cai no desfiladeiro. Eu parei e comecei a chorar”, revela.
A estrada, chamada na Bolívia de Camino a los Yungas, consiste em uma estrada de mão única que outrora ocupava parte da chamada Ruta 3, por onde transitavam caminhões, carros, motociclistas e ciclistas atrevidos. De um lado fica uma montanha, e do outro o vazio de um abismo. Assim, um descuido pode fazer com que algum desses transeuntes caia num imenso nada.
A estrada é tão perigosa que foi considerada a “pior do mundo” pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 1995, mas somente dez anos depois o governo boliviano se viu forçado a agir: em 2006, foi inaugurado um trecho asfaltado e fechado da pista, com melhores condições para o trânsito de carros, motos e bikes.
Desde então, o tráfego pesado foi reduzido e o ramo entre a montanha e o desfiladeiro foi retirado da Ruta 3, que liga La Paz à cidade de Trinidad, no departamento de Beni.
No entanto, ela segue em operação para quem está a fim de se aventurar: é a única estrada da Bolívia em que se conduz na mão esquerda, para permitir ao condutor olhar quando as rodas dos carros estão no limite entre a terra e o abismo. Quando alguém está descendo, deve dar preferência a quem está subindo, para evitar que esses motoristas caiam.
Os precipícios da estrada têm alturas distintas, mas em certos pontos a montanha sobe a 3,6 e 4,6 mil metros de altura –e fica tão alto que as nuvens no cânion impedem que se veja alguma coisa lá embaixo. Nas épocas de chuvas, a situação piora: a neblina dificulta o trânsito e não raro as autoridades bloqueiam completamente a circulação no trecho.
O Camino a los Yungas foi construído na década de 1930 por prisioneiros paraguaios capturados na Guerra do Chaco, entre 1932 e 1935. O projeto original aproveitou as curvas das montanhas entre as cidades de La Cumbre e Yungas, no departamento de La Paz, para moldar seu percurso.
Até o projeto da Ruta 3, ela era a única forma de conectar La Paz, principal cidade do país, até a Amazônia boliviana, e por isso ficou famosa pelo apelido “estrada da morte” –era impossível fugir dela.
A rota entre a metrópole e a cidade de Coroico, a 80 km de distância, é a mais difícil: estima-se que milhares de pessoas perderam a vida tentando cruzá-la desde aquela época.
O pior acidente ocorreu em 1983, quando um ônibus que transportava cerca de 100 pessoas perdeu o controle e caiu no desfiladeiro –todos morreram.
Apesar de o novo traçado da Ruta 3 ter diminuído os riscos e permita que se evite a estrada, há quem venha de várias partes do mundo para empreendê-la. “Tinha muitos alemães, franceses, japoneses e mexicanos na agência de turismo que eu fui. Todos estavam extremamente entusiasmados em descer a estrada de bicicleta ou de moto. Parece que é um desafio de vida, especialmente entre os motociclistas”, diz Ana Carolina.
Em fóruns de viajantes como o TripAdvisor, repetem-se duas palavras para descrever a estrada: aventura e adrenalina. Muitos guias oferecem excursões de um dia para visitar o trecho de 80 km entre La Paz e Coroico, inclusive para turistas menos experimentados. Quem termina o percurso diz que, além da sensação de ter sobrevivido à morte na estrada mais perigosa do mundo, ainda vale a pena conhecer a bela cidade final do ramo.
A estudante de jornalismo boliviana Katherine Vaca, que vive em São Paulo, diz que o percurso ficou tão famoso mesmo na Bolívia que começou um movimento turístico de comparação com a estrada de Karakoram, informalmente conhecida como KKH, entre o Paquistão e a China.
Conhecida por ser a rodovia internacional pavimentada mais alta do planeta, o Fórum Econômico Mundial recentemente afirmou que alguns dos trechos mais perigosos para automóveis ou motocicletas do mundo estão ali.
O nome diz respeito, na verdade, à cordilheira Karakoram, onde a estrada se eleva a 4.693 metros do nível do mar no meio do território do Paquistão, em Khunjerab. Devido à altura que ganha nesse ponto e às dificuldades que ela adquire por conta disso, passou a atrair muitos motociclistas e agências de turismo de aventura na última década, também ganhando o apelido de “oitava maravilha do mundo”.
Na China, as pessoas a chamam de “Estrada da Amizade”.
“Tem uma agência de La Paz que colocou uma faixa na sua entrada dizendo: pior que Yungas, só Karakoram. Percebi que é um circuito, porque muita gente que estava ali tinha como próximo objetivo, justamente, ir para o Paquistão desafiar a outra estrada.”
Ana Carolina, porém, diz que a experiência rápida na Bolívia foi suficiente: “Não faço isso nunca mais”, finaliza.
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Camino a los Yungas: a pior estrada do mundo fica na Bolívia publicado primeiro em https://catracalivre.com.br
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