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quarta-feira, 3 de julho de 2019

Dimenstein: o melhor artigo sobre ética do jornalismo e Sérgio Moro

O melhor artigo sobre o ética do jornalismo relacionada ao vazamento de informações das conversas de Sérgio Moro foi publicado no El Pais.
São duas autoras:
Joana Varon é diretora executiva da Coding Rights e afiliada ao Berkman Center for Internet and Society da Universidade de Harvard
Renata Ávila é diretora executiva da ONG Cidadania Inteligente e advogada internacional de direitos humanos

As conversas da #VazaJato fazem desmoronar ainda mais a confiança no poder judiciário brasileiro, questionam a legitimidade de parte da Operação Lava Jato, a condenação de Lula e até mesmo o resultado das eleições presidenciais. A situação é seríssima, mas, ainda assim, há quem tente esconder o elefante branco que está no meio da sala, culpando hackers e ameaçando a liberdade de jornalistas, invés de discutir a questão que realmente importa para a nossa democracia: o conteúdo das denúncias caracteriza parcialidade de Moro como juiz? Se sim, quais as consequências disso?
Focar o debate na existência de um pretenso “hacker”, um personagem imprevisível e misterioso, é a materialização de uma tática milenar daqueles que estão no poder: criar um inimigo comum para funcionar como cortina de fumaça, capaz de tirar o foco em conflitos internos, transferir a raiva para o desconhecido e, assim, encobrir ilegalidades e comportamentos antiéticos.
Mas fato é que, na #VazaJato, até agora, não temos nenhuma prova de que os vazamentos são provenientes de qualquer prática de hacking. Na semana passada, o editor do The Intercept Brasil, Leandro Demori twittou ressaltando que eles nunca se referiram a hacking. O Telegram também já afirmou que, de parte de seus servidores, não houve nenhuma invasão, que, portanto, as contas foram sempre acessadas com credenciais válidas. No mesmo sentido, quem parece ter sido a principal alvo dos vazamentos, Deltan Dellagnol, se negou a entregar seus dispositivos para perícia.

Enquanto não se prova que houve qualquer modificação no funcionamento do Telegram ou nos dispositivos em questão, não se pode falar em hacking. Assim como o caso dos Correos de Blesa, na Espanha, estamos diante de um caso de “whistleblower”: denunciante que presenciou ilicitudes e condutas antiéticas em altas cúpulas de poder. Se essa denúncia foi viabilizada por meio de hacking ou não, ainda a história dirá, mas esse não deve ser o foco principal das narrativas. O que podemos observar objetivamente são jornalistas fazendo seu trabalho: protegendo suas fontes e publicando informações de interesse público, cujo conteúdo devemos debater.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que a liberdade de buscar, receber e difundir informações não pode estar sujeita à censura prévia, apenas a responsabilidades posteriores. Eventuais sanções por acesso não autorizado a sistemas devem ser previstas em lei, ser proporcionais e respeitar também o direito à liberdade de expressão. Qualquer estratégia que busca invalidar evidências argumentando, sem mesmo ter provas, que houve qualquer invasão de sistema, é instrumentalizar leis de cibercrimes para que, de maneira ilegítima, se restrinjam direitos de liberdade de expressão de whistleblowers e jornalistas, e o direito ao acesso à informação de todos os cidadãos.

A luta contra corrupção precisa de whistleblowers
Os whistleblowers são denunciantes, que “tocam o apito” quando se veem diante de ilicitudes no setor público ou privado,. Como tal, confrontam sistemas de poder, na maioria das vezes, denunciando casos de corrupção. Portanto, é comum virarem alvos de ataques e retaliações. É por isso que, além de garantir o sigilo das fontes jornalísticas, muitos países têm aprovado e debatido leis que protegem os chamados whistleblowers.

Em abril, a União Europeia aprovou um Diretiva para proteger whistleblowers. Na ocasião, a relatora afirmou que escândalos como LuxLeaks, Panamá Papers, Football leaks e Cambridge Analytica serviram de inspiração para os debates da Diretiva. O texto indica que whistleblowers podem optar por canais e mídia como forma de divulgação da denúncia, particularmente se as autoridades que se quer denunciar possam estar em conluio com o denunciado, como seria o caso de Moro nas conversas com Dallagnol e membros do Ministério Público.

No Brasil, temos alguns projetos de lei em discussão para a proteção de whistleblowers. Todos representam uma tentativa de adaptar a legislação nacional à Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e à Convenção Interamericana contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos, das quais o país é signatário. Curiosamente, um deles, o Projeto de Lei n. 3.165/2015, é de autoria do então Deputado Onyx Lorenzoni, hoje ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro.

O texto propõe instituir o “Programa de Incentivo à Revelação de Informações de Interesse Público” e considera como informação de interesse público “a delação, notícia ou o fornecimento de qualquer peça de informação, dado, referência, indício ou prova capaz de ensejar ou auxiliar a apuração, processamento e julgamento de ação ou omissão que configure crime ou ato de improbidade administrativa”. A justificativa do projeto também ressalta que “represálias contra whistleblowers devem ser caracterizadas como outra forma de corrupção”, portanto, determina garantidas à “proteção da confidencialidade das informações reveladas” e a “proibição de divulgação da identidade do autor da revelação.” O PL, arquivado no final do governo Temer, foi desarquivado no início de 2019, a pedido de Onyx, e continua em tramitação.

Enquanto nenhum PL específico é aprovado, a Lei Federal n. 13.608/18 acabou tratando de whistleblowers de maneira tangencial e genérica, ao afirmar que “União, Estados e Municípios poderão estabelecer formas de recompensa pelo oferecimento de informações que sejam úteis para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos.” O tema também tem sido discutido pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), coordenada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), que inclusive buscou fomentar PLs como o de Onyx em um anteprojeto que tentou ser incluído nas “Dez Medidas contra a Corrupção”, organizada, vejam só, pelo Ministério Público, com apoio do ex-juiz Moro.

O próprio PSL, com apoio do presidente Bolsonaro, também articula aprovação de um projeto de lei que visa anistiar Protógenes Queiroz, responsável pela operação Satiagraha, que foi condenado por vazamento ilegal. Ou seja, mesmo nesse caso bastante controverso, por envolver vazamento de dados por quebra de sigilo funcional (uma vez que Protógenes atuava como delegado), até o PSL tem se posicionado a favor de vazamentos, no caso, mesmo que ilícitos.

Ora, se até Moro e seus apoiadores também entendem que whistleblowers auxiliam na luta contra a corrupção, pois, sejamos coerentes e analisemos então o conteúdo vazado por esse(a) whistleblower. “Oi, aqui é o hacker” vende clicks, rende memes e risadas, mas nos afasta do que realmente importa: um juiz pode ter atuado em situação de suspeição em um dos julgamentos mais importantes da história do país. A demanda da sociedade deve ser por apurar tais denúncias e, diante de episódios de clara corrupção institucional em todas as esferas de poder, pela aprovação de uma marco legal de proteção de whistleblowers, no qual qualquer um se sinta protegido para denunciar ilicitudes e más práticas das nossas instituições.

Joana Varon é diretora executiva da Coding Rights e afiliada ao Berkman Center for Internet and Society da Universidade de Harvard

Renata Ávila é diretora executiva da ONG Cidadania Inteligente e advogada internacional de direitos humanos

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