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terça-feira, 2 de junho de 2020

Por que o adiamento do Enem mantém desigualdades entre estudantes

Que o Enem 2020 não acontecerá mais nos dias 1º e 8 de novembro todos sabem. O Ministério da Educação anunciou o adiamento do exame no último dia 20, depois da grande pressão que sofreu por parte do Senado, Congresso e alguns setores da sociedade. Mas o anúncio não foi exatamente o que se esperava: o ministro Abraham Weintraub declarou que será aberta uma consulta no final de junho na qual os estudantes inscritos poderão optar por um adiamento de 30 a 60 dias da data inicial. 

Embora alguns tenham comemorado um suposto tempo “extra” para estudar, especialistas em educação consideram o adiamento insuficiente por diversas razões, e afirmam que a medida não sana as desigualdades que realizar essa edição às pressas pode acarretar. 

Questão sanitária

No contexto de uma pandemia que exige o isolamento social como forma de controlar a contaminação, parece quase inimaginável tirar mais de 6 milhões de estudantes de casa e reuni-los em salas de aula de todo o país para aplicar um exame que dura horas. Sem contar, é claro, das outras milhares de pessoas envolvidas na organização e aplicação das provas. 

Segundo Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP e especialista em avaliações educacionais, esse é o argumento número um quando se defende o adiamento do Enem 2020, já que é impossível precisar quando a epidemia estará controlada a ponto de permitir grandes aglomerações como essa. “Nesse sentido, enquanto não tivermos condições sanitárias não deveríamos fazer a prova”, crava. 

Infelizmente, essas condições sanitárias ideais podem demorar a chegar. Mesmo países que já enfrentaram o primeiro pico da pandemia como a França e a Espanha não vislumbram uma volta às aulas do Ensino Médio, por exemplo, antes de meados de setembro. Por aqui, esse retorno sequer tem data para acontecer.

Questão de igualdade

A retomada das aulas, por sua vez, tem absolutamente tudo a ver com o Exame Nacional do Ensino Médio – ou ao menos deveria ter. “Se o MEC me perguntasse o que fazer, eu diria que uma vez que as aulas fossem retomadas na maior parte das escolas da rede pública, deveriam esperar mais seis meses pelo menos para realizar o Enem”, defende Alavarse. 

O argumento dele, assim como o de muitas outras entidades e setores que defendem o adiamento do exame, é que realizá-lo sem que os estudantes tenham tempo de recuperar os conteúdos perdidos durante a quarentena tende a acentuar as desigualdades já existentes na concorrência por vagas no Ensino Superior. É também o posicionamento de Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP e ex-presidente do Inep. Ele afirma que o óbvio para o momento é adiar o Enem “mas não é possível dizer se quatro ou cinco meses seria suficiente para remarcar, teríamos que avaliar a longo prazo”.

Embora todos os estudantes que farão o Enem sejam, de alguma maneira, afetados pela suspensão das aulas presenciais, são aqueles em situação de maior vulnerabilidade social que se afastarão ainda mais da linha de chegada na universidade. E a questão vai além da falta de acesso a recursos físicos essenciais para ter aulas de casa, como um computador e internet. 

Muitos deles vivem em habitações precárias, dividem poucos cômodos com muitas pessoas e não encontram condições subjetivas que os estimule ou mesmo os permita estudar. “É por isso que a Unesco afirma que as escolas devem ser melhores que os ambientes em que os estudantes vivem”, afirma Helene, apontando que o meio escolar é geralmente mais estimulante para o aprendizado, mesmo em escolas com pouca estrutura. 

Por fim, ambos os professores destacam que estudantes de escolas públicas continuarão entrando nas universidades caso mantenham-se os planos do MEC, já que as cotas no Sisu garantem vagas para alguns deles. O que acontece, segundo explica Alavarse, é que há uma tendência de acirramento da disputa entre os que concorrem pelas cotas, já que esse não é um grupo homogêneo e que existem desigualdades internas. Ou seja, os estudantes mais vulneráveis da rede pública vão concorrer ainda mais em desvantagem com aqueles que contam com um pouco mais de estrutura física e apoio familiar, já que não terão acesso sequer aos conteúdos ensinados na escola. 

Por esse motivo, a declaração dada pelo ministro da Educação de que as cotas sociais e raciais já corrigiriam as desigualdades dessa edição não pode ser considerada totalmente correta. De acordo com Otaviano Helene, essa é inclusive a lógica de culpabilização que acompanha o sistema de cotas no Brasil: “de certa forma, ela diz que se o estudante ainda assim não consegue avançar, o culpado é ele”.

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